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Um estudo publicado na revista científica Neurology aponta que só em 2019 mais de meio milhão de pessoas morreram devido a um AVC (Acidente Vascular Cerebral) associado a temperaturas extremas – muito calor ou muito frio, sendo o excesso de calor o principal responsável. Os resultados são mais um alerta sobre os perigos das mudanças climáticas na saúde da população e reforçam a necessidade de ações para mitigar os riscos.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram temperaturas e casos de AVC em 204 países entre 1990 e 2019. Eles observaram que o número de pessoas que sofreram um AVC nos 30 anos analisados aumentou à medida que a população envelheceu – o envelhecimento foi um fator-chave para o problema –, mas eles ressaltaram que o envelhecimento populacional não explica todo o aumento de casos: as “temperaturas não ideais”, muito quentes ou muito frias, fizeram a diferença. O estudo aponta que, em 2019, ocorreram 6,55 milhões de mortes devido ao AVC, segundo dados do Global Burden of Disease (GBD). Desse total, 521 mil mortes e 9,4 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade são atribuíveis ao AVC devido à temperatura não ideal.
É importante destacar que as temperaturas mais altas já estão acontecendo e sendo percebidas dia após dia. O ano passado foi considerado o mais quente da história e espera-se que as temperaturas continuem alcançando níveis cada vez mais altos. Neste ano, por exemplo, o observatório europeu Copernicus anunciou que o mês de março foi o mais quente já registrado na Terra, com a temperatura 1,58 oC acima da média da era pré-industrial, no século 19.
“Os resultados desse estudo são extremamente importantes porque destacam a relação entre as condições climáticas extremas e a incidência de AVC, uma conexão não tão enfatizada na prática clínica. Isso traz uma nova perspectiva, que pode influenciar a prevenção e a preparação para períodos de temperaturas extremas, visando reduzir o risco desses eventos. Tais informações podem surpreender alguns profissionais, especialmente aqueles em regiões onde as mudanças climáticas têm sido menos perceptíveis”, avalia a neurologista Gisele Sampaio, do Hospital Israelita Albert Einstein.
De acordo com a médica, as altas temperaturas podem dificultar a capacidade do corpo de regular a sua temperatura interna (que é em torno de 36 oC), levando à desidratação e ao aumento na viscosidade do sangue, o que pode aumentar o risco de formação de coágulos. Além disso, explica a neurologista, o estresse térmico pode ocasionar alterações hemodinâmicas e inflamatórias, aumentando ainda mais o risco de AVC. “Há ainda algumas pesquisas que apontam os efeitos diretos das altas temperaturas sobre a pressão arterial e a função cardiovascular, ambos fatores de risco de AVC”, diz.
O estudo atesta ainda que, nesse momento, as mortes por AVC associadas a temperaturas extremas estão desproporcionalmente concentradas em partes do mundo com níveis mais elevados de pessoas que vivem na pobreza e onde os sistemas de saúde são frágeis, como na África. O AVC é uma das principais causas de morte e de incapacidade no mundo e tem um impacto importante em países de baixa e média renda, onde os sistemas de saúde muitas vezes não estão equipados para prevenir, diagnosticar ou tratar eficazmente essa condição.
“As regiões com maior pobreza e sistemas de saúde frágeis sofrem particularmente com as consequências de temperaturas extremas, o que pode exacerbar ainda mais a incidência e a gravidade dos casos de AVC”, diz
.
O trabalho aponta ainda que não é só o calor extremo que pode levar ao AVC, mas o frio extremo também. Segundo a médica do Einstein, isso acontece porque o frio leva ao aumento da pressão arterial e ao estreitamento dos vasos sanguíneos, além de induzir respostas inflamatórias que podem predispor a eventos cerebrovasculares. Além disso, o frio pode agravar condições cardíacas existentes, aumentando o risco de eventos cardíacos e vasculares cerebrais.
Esse não é o primeiro trabalho a apontar o impacto das temperaturas extremas na saúde cardiovascular. Outro estudo, publicado em 2022 na revista Nature, concluiu que as temperaturas extremas (frio e calor) foram responsáveis por quase 6% das mortes em cidades da América Latina. O estudo “Salud Urbana em América Latina (Salurbal)” teve a participação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP), analisou mais de 15 milhões de óbitos e comparou-os com as temperaturas ambientais diárias nas cidades pesquisadas.
Uma das conclusões é de que as temperaturas extremas estavam relacionadas com a mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias, especialmente entre idosos e crianças, que são o grupo mais vulnerável. Segundo a pesquisa, em dias muito quentes, o aumento de 1 oC esteve relacionado ao aumento de 5,7% nas mortes. Ao mesmo tempo, cerca de 10% das mortes por infecções respiratórias foram atribuídas ao frio intenso.
A médica ressalta que, diante das evidências de que as mudanças climáticas estão afetando a saúde, as políticas de saúde pública devem incluir ações preventivas para o AVC focadas na mitigação das mudanças climáticas e na melhoria da resiliência das comunidades a extremos climáticos.
“Isso inclui melhorar a infraestrutura de saúde, aumentar a conscientização sobre os riscos associados às temperaturas extremas e desenvolver estratégias específicas para ajudar as populações vulneráveis a se adaptarem e responderem a essas condições”, completa. Além disso, ela explica que é crucial promover estilos de vida saudáveis e o controle rigoroso de fatores de risco modificáveis, como hipertensão e diabetes, e implementar programas de educação sobre os sinais de alerta e a importância da resposta rápida ao AVC.
Fonte: Agência Einstein
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