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16 de dez. de 2023

Francisco faz 87 e termina 2023 mais 'livre' sem sombra de Bento 16

 Foto: Reprodução / Vatican News

Em clima de aniversário, com 87 anos completados neste domingo (17), o papa Francisco chega ao fim de um intenso 2023, pelo ritmo de trabalho apesar da saúde frágil e pelos embates que decidiu travar, com resultados que nem sempre lhe foram agradáveis.

O ano já começou com um grande acontecimento. O funeral, em janeiro, do seu antecessor, Bento 16, que encerrou o inusitado período em que dois papas conviveram dentro do Vaticano. A partir disso, houve uma sucessão de marcos: a intensificação de seu ativismo diplomático pela paz; a nomeação do maior número de cardeais de seu pontificado e outras mudanças na Cúria Romana; a realização de um questionado Sínodo dos Bispos e um novo texto sobre emergência climática.

Tudo isso e mais cinco viagens internacionais e duas internações hospitalares, incluindo uma cirurgia com anestesia geral, além de outros mal-estares recorrentes. Ainda houve ataques vindos do agora presidente Javier Milei durante a campanha na Argentina e nem da inteligência artificial Francisco escapou ?sua imagem falsa vestindo um casaco branco da moda viralizou e acendeu alertas sobre o alcance de novas ferramentas. Ele inclusive pediu um tratado internacional para regular a tecnologia.

Ao mesmo tempo, 2023, no qual ele completou uma década de papado, foi o ano em que Jorge Bergoglio escancarou sua reação à feroz oposição que enfrenta de setores do clero, em especial da ala ultraconservadora que faz barulho nos Estados Unidos.

"É possível descrever 2023 como um ano em que o papa se mostrou pronto para lutar sem restrições", diz à Folha o vaticanista Christopher White, correspondente em Roma do jornal americano National Catholic Reporter. "Por dois motivos: a morte de Bento 16, que o deixou mais livre, e suas condições de saúde, que tornaram evidente, imagino inclusive para ele, que o relógio está andando."

A partir da metade do ano, Bergoglio colocou o pé no acelerador. No começo de julho, nomeou o compatriota Víctor Manuel Fernández, 61, como prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, órgão com a função de salvaguardar os fundamentos do catolicismo e que teve Joseph Ratzinger, antes de se tornar Bento 16, como chefe por mais de 20 anos, sob João Paulo 2o.

Um dos conselheiros teológicos mais próximos do papa, Fernández compartilha das ideias de Francisco sobre a Igreja. É alguém que leva em conta os temas contemporâneos e prefere o diálogo à condenação. Autor de um livro sobre os benefícios do beijo, é considerado por críticos condescendente demais com temas como casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Menos de dez dias depois, o pontífice anunciou a nomeação de 21 cardeais, dos quais 18 com menos de 80 anos e, portanto, com direito a voto no próximo conclave. Foi o maior número de nomeados dos nove consistórios do papa. Além de Fernández, foram escolhidos religiosos de países como Colômbia, Tanzânia e Sudão do Sul.

"Foi um sinal claro de que o papa, depois de dez anos, estava muito interessado em ter seu próprio governo no poder e em aproveitar todas as oportunidades para deixar sua marca no colégio de cardeais, selecionando aqueles que um dia vão escolher seu sucessor", afirma White.

O vaticanista destaca outro momento que, para ele, confirma a disposição de Bergoglio em não perder mais tempo. Em outubro, pouco antes de começar o Sínodo dos Bispos, um dos movimentos mais ambiciosos do papa, Francisco respondeu, de forma pública, a questões de cinco cardeais conservadores, endereçadas a ele no formato chamado de "dubia" (dúvidas, em latim). Em um dos trechos, Francisco deixou aberta a possibilidade de padres darem bênçãos a casais do mesmo sexo.

"Tivemos vários exemplos no passado de cardeais propondo essas dubia ao papa. Mas daí a ele responder e publicar atingiu um outro nível. É como se ele estivesse dizendo 'eu também sei jogar esse jogo'", diz White.

Um dos autores das dubia é o cardeal americano Raymond Burke, 75, da ala tradicionalista da Igreja. Seu nome despertou outra reação de Francisco no fim de novembro. Segundo revelou um jornal italiano, o Vaticano está praticamente despejando Burke de seu apartamento em Roma ao exigir que ele passe a pagar aluguel com valor de mercado ou libere o imóvel em 2024.

Nos bastidores, comenta-se que Francisco o considera uma fonte de desunião entre os católicos. Burke vê o processo de consulta do Sínodo, ao lado de leigos e mulheres, como uma fábrica de slogans capaz de levar a Igreja a um cisma.

Evento eclesiástico mais importante do ano, o Sínodo da Sinodalidade, como é chamado, teve a primeira assembleia ao longo de outubro e terá a etapa final no ano que vem. O documento da primeira reunião desanimou tanto conservadores quanto progressistas, ao indicar maior abertura às mulheres e ao mesmo tempo deixar de lado católicos LGBTQIA+ e outras questões.

Somente depois da próxima etapa do Sínodo é que o papa deverá publicar novas diretrizes aos católicos, o que poderia acontecer no primeiro semestre de 2025. O risco, dizem observadores, é que esse longo processo, iniciado em 2021, possa ser suspenso antes do fim, em caso de morte do pontífice.

Apesar das duas internações deste ano e do cancelamento da viagem que faria a Dubai, para a COP28, devido a uma inflamação pulmonar, Francisco afirmou na última semana que se sente bem, mas que sua saúde ainda precisa de orações. "A velhice não chega sozinha e não se disfarça. É preciso saber aceitar os seus dons", disse a um canal de TV mexicano.

Certo é que o ano termina com ar de conclave rondando o Vaticano, e o papa demonstra lucidez sobre a própria finitude. Na mesma entrevista, contou que deu orientações para seu funeral ter um cerimonial mais simples e revelou o desejo de ser sepultado fora do Vaticano, na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma.

Diante da idade avançada e da saúde enfraquecida, pairam dúvidas sobre quanto do dinamismo visto neste ano permanecerá em 2024. A agenda de viagens, que o levou para cinco destinos em 2023, um a mais que 2022, deverá ser a primeira a sofrer cortes. Francisco afirmou que só a Bélgica está confirmada, por ora.

Intenções de voar até a Polinésia e a Argentina estão pendentes. A visita à sua terra natal, ainda inédita como papa, se anunciava como um grande momento de seu pontificado e ganhou novo significado depois de ele ter sido insultado por Milei e de certa forma o perdoado ao dizer que falas de campanha não devem ser tão levadas a sério. Resta saber se terá força física para tal.

Fonte: Michele Oliveira - Folhapress

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