Foto: Ricardo Stuckert
Um dia depois de conduzir a troca de comando do Exército, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou neste domingo (22) à Folha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não abre mão da punição dos responsáveis pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, ocorrida há duas semanas, no dia 8.
Segundo Múcio, não há como impedir as investigações. "Lula não vai perdoar ataques golpistas. Investigações vão até o fim."
Ao falar dos motivos que levaram à demissão do ex-comandante do Exército, Júlio César de Arruda, Múcio afirmou ter havido quebra de confiança.
"Acabou o clima de confiança e resolvemos mudar o comando", justifica. Foi escolhido para o posto do atual comandante militar do Sudeste (responsável por São Paulo), general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva.
O general não estaria conseguindo derrubar resistências internas às investigações sobre participação de militares e parentes nos atos antidemocráticos que culminaram com o ataque ao Congresso, Palácio do Planalto e STF (Supremo Tribunal Federal).
Aliados de Lula afirmam que os ataques às sedes dos Três Poderes ofereceram-lhe a oportunidade — talvez única— de reforçar a autoridade sobre as Forças Armadas em meio a um clima de desconfiança e hostilidade mútuas.
O presidente, relatam, não gostaria de viajar à Argentina, neste domingo (22), sem que tivesse efetivado a troca do comando do Exército.
Para esses interlocutores, a omissão de militares diante das depredações de 8 de janeiro e as investigações contra o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid, constrangem os bolsonaristas dentro dos quartéis, criando o ambiente propício para que Lula tente debelar a oposição no generalato.
A relutância do então comandante do Exército em reverter a nomeação do ex-ajudante de ordens Bolsonaro para o comando de um batalhão, mesmo sob investigação, permitiu que Lula revisse a escolha do próprio general.
Em dezembro de 2022, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid —ajudante de ordens de Bolsonaro— foi designado para o comando de um Batalhão em Goiânia.
Mas, como revelado pela Folha em setembro, a Polícia Federal encontrou no telefone dele mensagens que levantaram suspeitas sobre transações financeiras feitas no gabinete da Presidência.
Na sexta-feira (20), quando o portal Metrópoles também noticiou detalhes da investigação, Lula pediu que Cid fosse exonerado. Segundo fontes do Palácio, Arruda se recusou a seguir a orientação —sendo essa a gota d'água para sua demissão.
Na manhã de sábado (21), por volta das 6h40m, Lula telefonou para Múcio solicitando que não fosse concretizada a nomeação de Cid para o comando de um batalhão vizinho a Brasília.
Após ouvir reiteradas queixas de Lula, Múcio disse, segundo relatos, que colocaria um ponto final no problema. O ministro da Defesa telefonou, então, para Arruda para informá-lo da exoneração. Ainda segundo esses relatos, o general avisou que convocaria o Alto Comando do Exército, o que ocorreu horas depois.
A convocação do generalato foi recebida por assessores palacianos como uma tentativa de Arruda de buscar apoio entre seus pares, o que não aconteceu, além de embutir uma ameaça velada.
Feita ainda pela manhã, essa convocação também foi uma surpresa para cinco generais que relataram à Folha, sob reserva, que acreditavam que o pior momento da crise já havia passado.
Na reunião, segundo relatos, Arruda não foi claro sobre os motivos de sua demissão. Ele disse estranhar que sua queda tenha ocorrido um dia após ter participado de reuniões consideradas relevantes para o futuro da Força.
Arruda ainda justificou aos generais a convocação da reunião às pressas afirmando que seria submetido a uma cirurgia ainda na tarde de sábado.
O Alto Comando do Exército deve voltar a se reunir na segunda-feira (23) para uma primeira conversa com o novo comandante, general Tomás Paiva.
Na opinião do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, a permanência de Arruda poderia representar um "recado confuso" para a tropa e para a sociedade civil.
Ainda segundo o ministro, existiria o risco de o problema persistir caso Lula não tomasse uma medida agora. O ministro afirma que Lula fez a opção por Arruda "confiando no que se espera das Forças Armadas" e não pode ter essa dessintonia. "O presidente não pode perder a autoridade, não vai perder a prerrogativa conquistada pelo voto", disse o ministro.
E justificou: "Se já não é fácil quando está todo mundo na mesma direção, apaixonado, imagine quando tem um puxando para um lado e um para o outro".
Na noite deste sábado, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), afirmou nas redes que Lula atuou com firmeza para garantir a Constituição e as prerrogativas de comandante das Forças Armadas. "O comportamento do ex-comandante do Exército caracterizou insubordinação inadmissível perante ameaças à democracia e de partidarização da Força", publicou.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, disse que a substituição foi necessária e acertada. Para Siqueira, a escolha do novo comandante, general Tomás Miguel Paiva, igualmente correta, "recaiu sobre um excelente quadro do nosso Exército, que tem a compreensão claríssima do papel de Estado das nossas Forças Armadas".
Siqueira reconhece a possibilidade de impacto na relação com as Forças Armadas. "Mas não havia outra opção uma vez que a exigência da disciplina é indispensável no exercício do comando das Forças e da vida militar. Nunca é demais lembrar que o Presidente da República é o Comandante em Chefe das Forças Armadas", ressalta.
Segundo o presidente do PSB, "a disciplina é a pedra angular do bom funcionamento das Forças".
O presidente do União Brasil, Luciano Bivar, diz que, em começo de governos, ajustes são absolutamente normais, "uma vez que o presidente da República, por preceitos constitucionais, é o comandante em chefe das Forças Armadas, e sobre ele recai a responsabilidade de qualquer de seus auxiliares", indo do Ministério da Pesca até o ministro da Defesa".
Bivar lembra que essas mudanças são feitas em consonância com o titular da pasta. Para aliados de Lula, essa substituição dá ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, a chance de se reabilitar dentro do governo, após ter o desempenho criticado, especialmente em resposta às ameaças golpistas que se concretizaram no domingo (8).
Múcio foi escalado por Lula para anunciar oficialmente a troca de comando do Exército. O chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Marcos Edson Gonçalves Dias, ficou alheio à decisão.
Hoje subordinada ao GSI, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) poderá ser abarcada pela Casa Civil, em um sinal de enfraquecimento de G. Dias (como é chamado), após a invasão do Palácio do Planalto.
Fonte: Folhapress/Catia Seabra e Cézar Feitoza
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