Foto: Agência Câmara
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu alterar as regras atuais para receber pedidos de uso emergencial de vacinas contra a Covid. Uma das principais mudanças é a retirada da exigência de estudos clínicos de fase 3 no Brasil como requisito para análise.
Com isso, empresas podem, a partir de agora, solicitar o uso emergencial de vacinas com base em dados de segurança e eficácia obtidos em testes em outros países. Neste caso, porém, o prazo de análise passa a ser de 30 dias -e não mais de dez dias, como era até então.
Na prática, a mudança deve facilitar o aval a vacinas como a Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, e que, no Brasil, deve ser fabricada pela União Química.
Nos últimos dias, representantes da empresa e governadores vinham aumentando a pressão para que a agência facilitasse o aval ao imunizante no Brasil.
A União Química chegou a entregar à Anvisa um pedido de uso emergencial da vacina em 15 de janeiro. A agência, porém, devolveu o pedido à empresa um dia depois, afirmando que ele não cumpria os critérios mínimos -que definia a necessidade de estudos clínicos no país.
Também faltavam mais documentos, como certificado de boas práticas de fabricação, segundo a agência.
A exigência do estudo no Brasil, no entanto, era tida pela empresa como o principal entrave para um aval no país.
Ao anunciar a mudança nas regras, representantes da Anvisa negaram que a medida tenha relação com pedidos da empresa, mas afirmaram estar abertos a discutir com a União Química os "próximos passos".
A medida vale também para mais empresas, diz a diretora Meiruze Freitas. "Ainda não recebemos diretamente [essa sinalização de mais pedidos]. Mas espero que tenha impacto. Isso certamente facilitaria para a Moderna, Novavax e outras vacinas no âmbito da Covax facility", disse.
Segundo Freitas, a possibilidade de retirar a exigência de estudos no Brasil era analisada desde o início de janeiro. "Não foi um pleito de empresas, do governo ou do Ministério da Saúde.
Independente se há discussões políticas que ficam além desse muro ou questões jurídicas, nosso pleito é discutir medidas para ampliar o acesso", disse. "Esperamos que as empresas avaliem essas medidas e verifiquem se cumprem para solicitar aval no Brasil."
Para fazer a mudança, a Anvisa alterou trechos do guia usado como referência para os pedidos do uso emergencial.
Na prática, o que a agência fez foi colocar, entre os requisitos, que a vacina deve "preferencialmente" possuir estudos clínicos no país, citando condicionantes para aquelas que teriam estudos de fase 3 apenas em outros países.
Entre esses condicionantes, estão ter acompanhamento de participantes do estudo por pelo menos um ano, dar garantia à agência de acesso aos dados completos e demonstrar que os estudos foram conduzidos de acordo com diretrizes nacionais e internacionais.
"Para tomar uma decisão, precisamos ter acesso aos dados brutos. Não é uma questão de corporativismo ou de blindar a equipe técnica, é uma questão científica. Não podemos basear nossas decisões em dados incompletos e templates de power point", disse o gerente-geral de medicamentos da agência, Gustavo Mendes. "Da mesma forma, se não conseguirmos olhar para os dados dos estudos e ver que seguem as regras internacionais, não podemos tomar uma decisão", aponta.
Apesar da mudança, membros da agência frisaram que estudos no Brasil ainda são importantes e tidos com desejáveis.
Caso isso não ocorra, empresas devem demonstrar que os dados podem ser aplicados também para a população brasileira, aponta.
Há ainda mais mudanças que devem facilitar as análises. Em uma delas, a agência decidiu incluir no guia um trecho que diz que o não cumprimento de algum dos requisitos previstos para o pedido "deve ser previamente discutido com a Anvisa e justificado com dados e evidências".
Segundo Mendes, a ideia era deixar claro que a agência está aberta a discussões sobre os documentos. Ele nega, porém, que as mudanças indiquem uma flexibilização de critérios mínimos para aprovação de vacinas.
"De forma alguma isso significa uma flexibilização nos nossos critérios mínimos de segurança e eficácia", disse.
Em outro ajuste, a agência também reforçou trechos da regra anterior, com ao pedir "narrativas detalhadas" de eventos adversos. A ideia era frisar a necessidade de que esses dados sejam enviados de forma completa.
Ainda de acordo com Mendes, apesar de a União Química já ter um pedido de uso emergencial enviado à agência, o prazo só deve voltar a correr assim que a empresa enviar outros dados ainda pendentes.
A posição foi reforçada por Freitas, que fez uma referência indireta aos resultados publicados na revista Lancet sobre a eficácia da vacina, de 91,7%. "Para um produto para ser disponibilizado, não precisa só ter o resultado positivo em revista científica. É importante que tenha, mas a Anvisa avalia outros dados além daqueles do artigo científico", disse.
Além da Sputnik, a mudança nas regras da Anvisa pode facilitar a autorização também a outras vacinas negociadas no Brasil, como da Covaxin, da indiana Bharat Biotech.
Atualmente, as duas vacinas são tidas como "promissoras" pela equipe do Ministério da Saúde devido ao fato de terem parcerias com laboratórios brasileiros para produção nacional.
Essa é a terceira mudança feita pela Anvisa nas regras para pedidos de uso emergencial de vacinas.
As anteriores foram feitas em dezembro. Uma delas ocorreu após queixas da Pfizer sobre a necessidade de informações sobre o quantitativo previsto de vacinas a ser disponibilizado e cronograma de entrega -o que a empresa alegava não ter devido à falta de um acordo fechado com o Ministério da Saúde. Com isso, a exigência desse dado foi flexibilizada.
Folhapress
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