Identificada em Wuhan, na província de Hubei, na China, em 1° de dezembro de 2019, com o primeiro caso notificado em 31 de dezembro, a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, já infectou mais de um milhão de pessoas de pessoas e afetou diversos setores e serviços na sociedade. Uma das questões mais especuladas, dos pontos de vista político, social e econômico, desde que o vírus se instalou definitivamente no mundo é: o que virá depois do fim da pandemia?
Num momento em que todos tiveram uma repentina mudança em suas rotinas, ainda é difícil fazer previsões de como as pessoas irão se comportar depois desta crise de saúde global que ainda está longe de terminar, mas que já deixa no ar projeções sobre o poder da pandemia de suscitar interrogações sobre a forma de viver em sociedade e de os indivíduos pensarem o mundo deste início do século XXI.
Psicólogos, sociólogos, comunicadores, profissionais da saúde e líderes religiosos ouvidos pelo Jornal Meio Norte não têm dúvidas de que a experiência provocada pelo coronavírus irá deflagrar novos questionamentos existenciais e humanistas, bem como mudanças de governança política e de modelos econômicos.
Oportunidade de ressignificar valores
“Iremos ressignificar vários aspectos da vida. Passaremos a valorizar mais a família e os amigos, da mesma forma que muitos irão adotar um padrão de consumo mais minimalista, no qual o supérfluo será colocado em segundo plano.
A possibilidade de ser a próxima vítima fatal da Covid-19, tem nos levado forçosamente a repensar os nossos valores, uma vez, que, quando a ideia da finitude está próxima, direcionamos a nossa atenção para o que verdadeiramente importa”.
Jean Lustosa - psicólogo
Avanços para a ciência e para a saúde
“Para a ciência ser reconhecida em um país, é necessário uma gestão que tenha conhecimento sobre. As ''ciências e a Saúde'' sempre foram aplicadas pela população através do conhecimento empírico, porém esse empirismo tem seu lado complicado. Mas a partir de tal situação pandêmica acredito que tanto a ciência, quanto a saúde serão valorizadas fortemente. E não só essas áreas de estudo, mas também os profissionais que atuam. A população entendeu que não é tão ‘’simples’’ realizar a produção de um medicamento ou de uma vacina. O povo passou a acreditar que nós, pesquisadores, somos essenciais e falamos baseados em fatos, e não em opinião. A exemplo, temos a adesão por parte da população idosa à vacinação, que é algo bastante relutante por parte deles”.
Higo Neri, Biomédico, especialista em Saúde Coletiva e mestrando em Ciências e Saúde.
Práticas cotidianas passarão por mudanças
“De forma geral, podemos destacar que o isolamento social possibilitou aos indivíduos entenderem a importância e a necessidade do “outro”, que não podemos viver sem o processo de interação social, os contatos diretos e a afetividade. As pessoas não sabiam o valor que tinham e nem o grau de importância que elas representam na vida do outros. No que tange às relações sociais, há um ponto de fortalecimento, a ação vigente das práticas solidárias, promovidas por pessoas e grupos sociais que fazem toda a diferença na sociedade individual que vivemos. No tocante ao campo educacional, áreas administrativas, dentre outras, elas modificaram suas práticas de trabalho, com o apoio da internet executando sua atividade, por meio do regime home office, consequentemente alterando as dinâmicas das relações de trabalho. Nossas práticas cotidianas, as relações de trabalho, a atenção à saúde, educação e o comportamento dos indivíduos serão ressignificados, ou seja, vão acontecer muitas mudanças, com o apoio da internet, ampliando a virtualidade e o avanço expressivo da tecnologia, em diferentes segmentos: biotecnologia, inteligência artificial, telemedicina e outros. Todas as nossas relações sofrerão mudanças, conforme o nosso histórico, social e global. É importante destacar que as relações sociais tendem a ficar mais líquidas e superficiais. A pesquisa científica, a cura de novas doenças, o controle das já existentes, a ampliação da indústria farmacêutica, tendem a ser mais valorizadas. Além disso, há possibilidade de maior investimento nesses setores, pois o que a sociedade está passando deixa marcas e lições, pois o medo que isso possa acontecer ainda é vigente”.
Marcela Castro – Socióloga, professora e pesquisadora.
Fortalecimento da ciência e olhar para o bem-estar social
“A pandemia não trouxe novos problemas, ela apenas evidenciou questões incômodas que já existiam. Agora temos a oportunidade de olhar para elas e, quem sabe, construir novos caminhos de solução para resolvê-las. Por exemplo: os nossos idosos que vivem muitas vezes já em isolamento, o enorme contingente de informais sem qualquer proteção social, o papel do Estado na logística econômica, a saúde pública como bem coletivo... Creio que, particularmente, o liberalismo econômico de Estado mínimo tal qual defendido por alguns políticos, perde espaço nesse momento para a ideia de que devemos fortalecer o Estado de bem-estar social. Ou seja, o objetivo final dos governos que elegemos é permitir melhores condições de vida para a população e não apenas acumular números positivos em ajustes fiscais à custa de precarizar vidas humanas. Temos também a oportunidade de valorizar a Ciência e o bom jornalismo, que são guias em meio às incertezas desse momento. A tecnologia, que tanto tem nos salvado do tédio nesses dias de quarentena, é o produto final da Ciência. Então, ao mesmo tempo que vemos uma espécie de “pensamento mágico” de que basta um jejum para curar o coronavírus - alimentado por alguns líderes religiosos - temos também a visão científica se fortalecendo e sendo contraponto como um farol de lucidez a nos guiar. Cabe a nós escolher qual caminho seguir. Revolução Francesa, Revolução Industrial, Iluminismo... tudo isso veio após graves crises. Quero acreditar que sairemos melhores e mais fortes dessa”.
Sávia Barreto - jornalista, apresentadora, comentarista política e doutoranda em Políticas Públicas.
Impacto no trabalho, na renda e no consumo
"A medida preventiva para tentar minimizar uma transmissão em massa do coronavírus no Brasil tem sido o distanciamento social e tal medida gerou impactos econômicos causando a redução no fluxo de pessoas e negócios na economia e, naturalmente, uma queda no fluxo de negócios. No pós-crise, terão empresas que vão perceber que não precisam tanto de alguns tipos de trabalho no desempenhar de suas atividades e isso vai demitir muita gente. Algumas empresas vão entender o trabalho remoto como uma importante ferramenta de redução de custos operacionais com remodelagens de funcionamento. Outra estratégia que vai se intensificar é o serviço delivery. Isso vai exigir de empresas que já tenham a presença online se intensifiquem e as empresas que ainda não estão no mundo digital entendam que paralelamente ao atendimento presencial também criem canais de contato com seus clientes através da esfera digital. No campo do trabalhador, será exigido cada vez mais que nos ambientes domésticos se criem condições de trabalho através do home office. Essa é uma curva de aprendizado a ser trilhada. O mundo vai mudar pós-coronavírus e precisamos trilhar dentro desse contexto. Tem três dimensões muito importantes dentro da sociedade que vão mudar: o trabalho, a renda e o consumo. A forma de se trabalhar está mudando, a renda também vai se modificar e o consumo também será afetado. O consumismo tende a trilhar uma curva descendente e será fortalecida uma tendência para o consumo de itens básicos, assim como a necessidade de um fundo de reserva para momentos emergenciais, tudo isso que estava fora do radar do trabalhador comum que vai passar a ser imprescindível no mundo pós-coronavírus”.
Fernando Galvão – Economista.
Sociedade estará mais fraterna
"Primeiramente, creio que essa pandemia pode nos ajudar a aprender muitas coisas. Quantas vezes nós achamos que somos poderosos? Que o nosso dinheiro vale muita coisa? Que nosso poder é muito importante? É não! Nós precisamos é descer do salto, ficar no lugar social do outro, sobretudo do mais pobre, do mais carente, você não vai fazer nada com o seu dinheiro, não vai fazer nada com o seu poder, porque o coronavírus não escolhe quem é preto, branco, pobre, rico, homem ou mulher, então acredito que vamos sair muito mais fraternos, mais irmãos, solidários e com os pés no chão como traz o lema da Caminhada da Fraternidade, que tem como tema este ano: “Fraternidade e Vida: dom e compromisso”.
Padre Tony Batista - Vigário geral da Arquidiocese de Teresina
Relações humanas mais fortalecidas
"Com certeza vai mudar a forma de vermos o mundo, a forma de vermos Deus e o próximo. Compreender mais, tentar entender e apontar menos o dedo. As pessoas vão passar por esse momento mais consistentes das suas histórias, dos seus deveres, conscientes do sentido humanitário e perante da nossa vida humana na terra em se preocupar mais com o próximo, enxergar o próximo como irmão e, com certeza, praticando mais a solidariedade, a caridade, olhar diferente para o próximo, e aprimorar ainda mais o trabalho de sobrevivência, viver em comunidade e comunhão com o próximo, compreendendo mais a situação do outro. Agradecer mais cada dia de liberdade, de saúde, dar muito mais valor ao aperto de mão e ao abraço. Haverá uma valorização das pessoas que a gente ama, que estão do nosso lado, as pessoas que a gente esquece de falar eu te amo, as amizades serão exaltadas e as pessoas irão crescer perante a isso, mas é importante a compreensão e, principalmente, o entendimento para que depois que tudo isso passe possamos continuar em caridade e solidariedade não apenas porque passou por um problema, mas principalmente isso tenha entrado na massa encefálica de todo mundo como forma de compreensão e entendimento, que todos possam corrigir dentro dessa reforma íntima de olhar pra si e também com carinho para o outro.”.
Pai Bruno de Ogum - Sacerdote da tenda espírita de Umbanda São Jorge guerreiro - Cabana Nego Gerson.
Todos sairão mais fortes
"A sociedade estava como um carro desgovernado e alguém precisava desacelerá-lo. Totalmente individualistas, as pessoas não se preocupavam tanto com a coletividade e isso é ruim porque nós não vivemos em uma bolha, nós precisamos reaprender a viver em sociedade, essa é a verdade. Com isso, sairemos como sociedade mais conscientes e solidários, ou seja, estávamos cada um cuidando da sua própria vida e necessidades e se entendermos o conceito de solidariedade vamos viver muito mais e melhor, então vejo que as pessoas vão sair de tudo isso mais solidários e se preocupando mais com o outro. Vamos também dar mais valor à família. Como nós sabemos, a família é a célula máster de uma sociedade. Quando as famílias são dissolvidas, a sociedade se auto destrói. Temos que tirar lições do que o coronavírus veio nos ensinar, entendendo também que não é o dinheiro que vai trazer as coisas mais belas da vida, vamos aprender que as coisas simples podem nos fazer felizes e vamos nos reinventar. A igreja não vai ser a mesma, o comércio não vai ser o mesmo, o governo não vai ser o mesmo, a saúde não vai ser a mesma. Minha mensagem não é de desespero, nem de fraqueza, mas uma mensagem de fé e esperança, porque nós venceremos tudo isso e sairemos mais fortes”.
Marcos Sérgio – Pastor da Igreja Batista Filadélfia Internacional
População mais consciente da importância da família
"As pessoas vão sair mais consistentes, mais humanas, além de ter aprendido a ter hábitos higiênicos simples, como lavar as mãos, assim como conviver mais dentro de casa e aproveitar mais a família. Nós estamos no ano de 2020 e ainda precisamos pedir para que as pessoas fiquem dentro de casa e lavem mais as mãos. A população em geral vai ser mais consciente da importância disso tudo e terão aprendido que devemos dar mais valor aos relacionamentos familiar e de amizade".
Nayro Sousa – Médico Infectologista.
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