Foto: Roberta Aline
A disseminação do novo coronavírus nos hospitais em todo o mundo traz um desafio aos profissionais de saúde, que tentam equilibrar o atendimento aos pacientes que necessitam de ventilação mecânica com os cuidados para que eles próprios não fiquem doentes.
Um dos problemas é a liberação de aerossóis que podem carregar o vírus no ar durante a intubação de um paciente com síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) ajudam na proteção dos médicos e enfermeiros, mas estão em falta em grande parte do país, e o Ministério da Saúde tem enfrentado dificuldades na aquisição de mais material de proteção.
Diante desse quadro, um empresário mudou a produção da sua gráfica, no município de Parintins (AM), a 369 km de Manaus, para a fabricação de cápsulas de acrílico protetoras para os pacientes.
Fram Canto teve a ideia a partir de um equipamento já conhecido dos médicos: as cápsulas do tipo "hood", equipamentos de proteção para recém-nascidos que necessitam de terapia de oxigenação.
A cabine permite circulação do oxigênio no seu interior. Possui também um filtro para evitar saída das micropartículas para o meio externo. Dentro dela, os pacientes podem seguir usando os ventiladores auxiliares não invasivos.
Esse equipamento permite que, na falta de quartos isolados, pacientes em leitos de UTI não transmitam do vírus para pessoas saudáveis.
Além da passagem para o ventilador, duas aberturas na parte de trás servem para o acesso das mãos dos profissionais de saúde. Dobradiças na lateral e na região superior da cápsula possibilitam retirada imediata da cabine em caso de necessidade de intervenção médica emergencial.
O protótipo foi apresentado aos médicos do Hospital Regional Jofre Matos Cohen, que atende pelo SUS.
Estudos já demonstraram uma diminuição significativa de infecções pulmonares e do tempo de recuperação de pacientes que recebem terapias de ventilação não invasivas em relação aos que são submetidos à intubação endotraqueal.
Um modelo mais fechado da cabine, que parece um capacete de astronauta, foi desenvolvido e usado por médicos na Itália. Nos Estados Unidos, o Centro Médico da Universidade de Chicago estuda há pelo menos quatro anos o uso de capacetes em pacientes com doenças respiratórias. A diferença é que o capacete ao redor do pescoço é de uso individual e pode provocar escoriações e irritações na pele, além de ser mais claustrofóbico. Já o protótipo produzido por Canto é posicionado sobre o leito do paciente.
As cabines de acrílico ainda não têm sua eficácia comprovada contra a transmissão do novo coronavírus, mas, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o uso teoricamente não traz nenhuma restrição, uma vez que capas plásticas já são usadas durante a intubação de pacientes em hospitais.
Segundo Andre Nathan Costa, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês e membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia, a ideia parece ser válida, mas seria necessário um estudo médico para comprovar sua ação. Há dúvidas também quanto a colocar um paciente em uma caixa plástica por tempo indeterminado.
"No caso dos neonatos, o 'hood' o protege do meio externo, tanto que o acesso para o médico é feito com uma luva, para não ter contato nenhum com o ambiente de fora", explica. No caso dos pacientes com Covid-19, quem precisa de proteção para não adoecer são os profissionais.
Costa afirma que uma alternativa mais barata e simples seria distribuir aos profissionais "face shields", máscaras protetoras em material flexível que combinam uma proteção plástica que recobre o rosto e uma fita elástica, que se prende à cabeça. Canto também as produz em sua gráfica.
Segundo o especialista, gotículas de pacientes infectados ficam presas no equipamento protetor. O mesmo princípio se aplica à cabine.
Canto afirma que está trabalhando com médicos e pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais) para patentear o produto, que será doado para o sistema de saúde pública. A certificação da patente virá juntamente com a publicação de estudos científicos que comprovem sua eficácia.
O empresário disse ainda que a Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (Susam) entrou em contato em busca de uma parceria para produção em larga escala da cabine. Até a publicação deste texto, a Susam não havia firmado a parceria, mas disse que a Prefeitura de Manaus já busca acelerar o processo de fabricação do material para distribuir aos hospitais da capital.
Em Manaus, a rede de hospitais particulares Samel desenvolveu um produto similar, chamado "cápsula Vanessa", em homenagem a uma paciente que foi atendida no Hospital Samel e recebeu intubação endotraqueal precoce, segundo médicos da rede.
Feita a partir de tubos de PVC e vinil plástico, a cápsula possui alças laterais para retirada e zíperes para acesso ao paciente. Posicionada na região torácica do paciente, elas são mais leves e transparentes, mas também mais frágeis.
Produzidas em parceria com o Instituto Transire, no distrito industrial de Manaus, as cápsulas da Samel possuem ainda filtro do tipo HMEF (da sigla em inglês, filtro de controle de temperatura e umidade) para controle da temperatura e umidade do oxigênio.
O filtro, que tem ação antibacteriana e produz pressão negativa no interior da cápsula o que, segundo os especialistas, impede que o "ar contaminado" saia pelas frestas da cápsula que ficam ao redor do corpo.
O presidente do grupo Samel disse à reportagem que usa as cápsulas em seus hospitais há pelo menos 20 dias e que até o momento não teve nenhum profissional de saúde contaminado.
Fonte: Folhapress
Nenhum comentário:
Postar um comentário