Marina Silva, de 59 anos, já foi vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos, ministra do Meio Ambiente e por duas vezes candidata a presidente do Brasil. Questionada quando vai anunciar se disputa ou não a terceira eleição presidencial, ela diz "logo, logo".
A ex-senadora prevê uma eleição "cheia de candidatos" e uma tendência de "se aprofundar a violência e a mentira na campanha". Ela poupa de críticas mais duras o ex-presidente Lula - de quem foi ministra -, e chama o deputado Jair Bolsonaro de "populista".
Marina rebate as críticas de ter sido omissa em momentos em que muitos aguardavam um posicionamento ou opiniões firmes sobre temas centrais ou disputas políticas, dizendo que "o problema é que o Brasil está tão acostumado com a polarização que quando tem um posicionamento que não está sob o guarda-chuva vermelho ou o azul, as pessoas preferem dizer que não é um posicionamento".
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Ela assegura que manifestou sua opinião sobre todos os temas que pautaram o debate político - que defende com veemência a Lava Jato, que foi a favor do impeachment de Dilma Rousseff, que não houve "golpe", mas que preferia a cassação da chapa Dilma-Temer.
Para Marina, o Congresso tem dificuldades em cassar seus integrantes por "corporativismo" e várias legendas de diferentes espectros políticos se unem para "salvar a própria pele". "Aqueles que nunca se juntaram para defender saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, agora estão unidos para evitar a punição dos crimes que cometeram", diz, citando o PT, PMDB, PSDB e DEM.
Evangélica, defende o Estado laico. Ambientalista, diz que os céticos em relação ao aquecimento global são uma minoria e deveriam adotar o princípio da precaução para evitar que o homem destrua a natureza.
Leia os principais trechos da entrevista concedida à BBC Brasil em Londres, onde Marina participa de um debate e tem buscado experiências em diferentes áreas, como educação e meio ambiente, que possam ser aplicadas no Brasil.
BBC Brasil - A senhora tem viajado para fazer palestras na Europa e nos EUA. Na quarta-feira, fala no King's College, em Londres. Que mensagem traz nesse momento de turbulência política e crise econômica no Brasil, momento que a senhora definiu como "um poço sem fundo, por ser pior que o fundo do poço". Há espaço para otimismo?
Marina Silva - Tem espaço para ter persistência. Venho (à Europa) para uma série de compromissos. Vim para uma palestra sobre mudanças climáticas, depois fui para a Holanda onde conheci uma série de experiências de inovação tecnológica, educação, ativismo social, agricultura, financiamento de novos projetos voltados para a sustentabilidade. Aqui em Londres, fomos a uma escola interessante em que o currículo integra valores voltados para a sustentabilidade. Quando disse que a gente parecia estar saindo do fundo do poço para uma espécie de poço sem fundo, estava me referindo a uma das coisas graves acontecendo no Brasil, que é a pressão sobre a Lava Jato, uma das coisas mais importantes depois da nossa redemocratização. O trabalho que estão fazendo ao mostrar que a lei é para todos, que a corrupção sistêmica deve ser combatida pela raiz, agora está sendo ameaçado por uma ação da dita classe política tentando mudar as regras do jogo.
BBC Brasil - De onde exatamente vem essa pressão?
Marina Silva - Essa pressão vem do Congresso, vem do próprio Executivo que acaba de encaminhar um processo para o Supremo propondo que não seja mais válida a prisão daqueles que foram condenados em segunda instância. E, agora, o julgamento do próprio presidente Temer por parte do Congresso e a decisão do Supremo que deu ao Congresso a última palavra em relação à punição dos parlamentares. Ou seja, é o único segmento da sociedade que terá poder de fazer o seu autojulgamento. Falei que, como se não bastasse o foro privilegiado, agora terão o autoindulto privilegiado. Isso será para o Aécio Neves, mas também será para todos os demais que se encontram na mesma situação que ele, envolvidos em graves denúncias de corrupção.
BBC Brasil - A senhora já foi senadora, conhece muito bem aquela casa. Qual é a dificuldade de se cassar os próprios pares. Prevalece o corporativismo?
Marina Silva - Além do corporativismo, agora tem outros fatos. Tivemos cassações importantes como a do senador Arruda e do próprio Antônio Carlos Magalhães...
BBC Brasil - Desculpe-me por corrigir a senhora, mas cassados foram o Luiz Estevão, o Demóstenes Torres e, mais recentemente, o Delcídio Amaral. José Roberto Arruda renunciou (Antônio Carlos Magalhães também renunciou)...
Marina Silva - Sim, mas por uma manobra. Renunciou porque sabia que ia ser cassado. A renúncia não foi em função de um ato de grandeza; foi porque tinha certeza de que seria cassado e, para evitar perder direitos políticos e ficar inelegível fizeram a renúncia. Agora, para além do corporativismo, temos o fato de que são muitos os que estão sendo investigados e comprovadamente culpados no âmbito da Lava Jato. Partidos que antes se combatiam agora estão unidos. PT, PMDB, PSDB, DEM, todos estão juntos para salvar a própria pele, a pele dos seus líderes. É por isso que a dificuldade agora é bem maior. Aqueles que nunca se juntaram para defender saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, agora estão unidos para evitar a punição dos crimes que cometeram.
BBC Brasil - A senhora falou da Lava Jato e o medo da pressão, mas acha que em algum momento a operação cometeu algum erro, alguma falha capaz de colocar a reputação da investigação em risco?
Marina Silva - A Lava Jato vem fazendo um trabalho exemplar e espero que se transforme no novo paradigma para a Justiça brasileira. Todos os mecanismos das instituições públicas têm suas próprias formas de controle. A Lava Jato vem trabalhando junto com o Ministério Público e a Polícia Federal e os que são investigados têm direito à ampla defesa. O problema é que as provas são muito contundentes. Pessoas com mala de dinheiro. É um apartamento com milhões de reais dentro de caixas. São comprovações de depósitos em contas bancárias no exterior. O documento fala por si mesmo.
O trabalho que está sendo feito é respeitável. E, claro, os juízes não podem ser colocados como se fossem eles que estão cometendo irregularidades. Infelizmente, uma boa parte dos investigados gostaria de ter a prerrogativa de estar julgando seus investigadores e julgadores. Foi por isso que o senador Renan Calheiros apresentou a lei do abuso do poder, que juntou PT, PMDB, PSDB para tentar aprovar o projeto de anistia e é por isso que agora, igualmente, estão juntos para acabar com (a prisão) depois de julgamento em segunda instância.
BBC Brasil - Voltando à pergunta inicial, a senhora está fazendo um tour pela Europa, mas queria saber se pretende fazer o mesmo no Brasil. Um tour como Lula está fazendo, como Fernando Haddad, Jair Bolsonaro e João Doria. A senhora pretende dar uma volta pelo Brasil?
Marina Silva - Eu faço isso há mais de 30 anos e não apenas em período eleitoral. A minha vida toda me dediquei a andar nos Estados, nos municípios mais pobres, conhecendo a realidade da sociedade brasileira.
BBC Brasil - A senhora faz isso sem clima de campanha?
Marina Silva - Sem clima de campanha e eu acho que esse é o melhor momento para que a gente possa fazer as coisas. O problema é que as pessoas deixam para fazer determinadas coisas nos períodos eleitorais. Eu entendo que as soluções para o mundo em crise que a gente está vivendo têm uma complexidade tamanha... é bom para a gente conhecer outras experiências.
O que está dando certo na educação no Brasil pode ter uma contribuição para o que está dando certo na educação em outras regiões do mundo. A gente não pode mais se fechar como se fosse uma ilha. O Brasil é rico em boas ideias. Quando fui ministra do Meio Ambiente, não inventamos a roda. O que fizemos foi transformar as boas ideais da sociedade brasileira, do setor empresarial, da academia, dos movimentos sociais em políticas públicas. Foi graças a isso que conseguimos reduzir em 80% o desmatamento por dez anos.
BBC Brasil - A gente estava falando do clima de campanha e de aparecer de quatro em quatro anos e uma das principais críticas que fazem à senhora é que foi omissa em momentos importantes. Dizem que a senhora só se expõe às vésperas de períodos eleitorais. Como a senhora responde a essas críticas? É intencional, para se preservar?
Marina Silva - Eu estou fazendo meu trabalho como sempre fiz, mas não sou parlamentar, não tenho uma função pública. Sou uma professora que sobrevive do trabalho que faz. Conseguimos criar a Rede mesmo em meio às pressões contrárias e tenho me posicionado sempre em relação a todos os temas.
O problema é que o Brasil está tão acostumado com a polarização que quando tem um posicionamento que não está sob o guarda-chuva vermelho ou o azul, as pessoas preferem dizer que não é um posicionamento. Eu sempre defendi a Lava Jato, como eles não defendem, preferem dizer que não é um posicionamento. Eu sempre defendi que o melhor caminho era o da cassação da chapa e que o impeachment não é golpe, está de acordo com a Constituição, o problema era que não ia alcançar a finalidade. Se a finalidade é passar o Brasil a limpo, Dilma e Temer são faces da mesma moeda. O PT e o PMDB cometeram os mesmos crimes juntos em relação à Petrobras, BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, aos fundos de pensão. O melhor caminho era a cassação da chapa.
Como existia um grupo que queria abocanhar o poder e um outro que queria permanecer, eles acham que isso não era um posicionamento. É um posicionamento diferente. No Brasil, as pessoas estão tão acostumadas com a polarização que elas nem admitem que possa existir uma outra voz, um outro lugar de fala, mas essa fala existe. Não tem a mesma audiência daqueles que ficam disputando o poder pelo poder.
BBC Brasil - Ter um mandato facilitaria ecoar seus posicionamentos?
Marina Silva - O importante é ter um posicionamento, porque tem muita gente que tem mandato e está repetindo as mesmas coisas, da mesma forma. Tem muita gente que até fala demais e depois desconstrói tudo aquilo que falou. Tem muita gente que falou tanta coisa e agora estão no mesmo barco.
Estamos numa crise dramática como essa e tudo que vejo são pessoas preocupadas em ganhar o poder. Não estão pensando em como combater a corrupção, para prevenir a corrupção e principalmente para promover uma gestão pública eticamente responsável, para resolver o grave problema da educação brasileira em que a maioria dos jovens não tem acesso à educação de qualidade, para resolver o problema da violência em que as pessoas estão perdendo suas vidas nas comunidades por falta de segurança.
BBC Brasil - Como faz para resolver isso, são tantos problemas juntos...
Marina Silva - Em primeiro lugar é preciso dizer claramente na hora de disputar a eleição o que vai fazer em relação a essas questões. Por exemplo, em relação à educação. Claro que temos problemas em relação a recursos, mas pior que a falta de recurso é a falta de estratégia para que uma educação não fique parada no tempo. O mundo inteiro está atualizando os seus processos de ensino e aprendizagem, levando os jovens e as crianças a entenderem a escola não como um lugar onde se adquire uma profissão fixa, mas como uma porta de entrada que possibilita muitas portas de saída.
Esse debate está sendo feito pelos educadores e por vários movimentos, mas infelizmente o poder público não tem sido capaz de acompanhar. E agora, com a crise, uma boa parte dos nossos jovens que começaram a ter acesso ao ensino superior, mesmo ao ensino privado que não tem a mesma qualidade do público, perderam esses meios que dispunham na crise gerada inicialmente no governo da Dilma e agora do Michel Temer.
BBC Brasil - Falando neles, a senhora sente que perdeu a oportunidade de ocupar um vácuo de poder que se abriu?
Marina Silva - É muito cedo para dizer o que se perdeu e o que se ganhou. Eu digo que a derrota e a vitória a gente só mede na história. Temos que ter paciência para aguardar o processo político. Não entendo que a política é um vácuo a ser ocupado. É um processo a ser conquistado no debate, não embate da polarização que tanto mal já fez ao país, mas na troca de ideias dizendo o que a gente acha que é melhor para a saída da crise, para que o país volte a crescer, retome os investimentos, para que se controle o gasto público, a inflação, para que se possa reduzir juros.
A política tradicional tem muito isso de dizer que tem que ocupar, essa ideia às vezes esconde um pensamento autoritário, que subtrai o eleitor, que subtrai o cidadão. Quem ganha uma eleição com base no marqueteiro acha que é só uma questão de ocupar o espaço, não é isso, é de construir, conquistar numa relação transparente e aberta com cada cidadão.
BBC Brasil - A senhora já foi ativista política, vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos e ministra. A senhora conhece muito bem o eleitor, imagino eu. Sente que há uma fadiga com o político de carreira, o tradicional? Sente que o eleitor hoje procura algo diferente? E pontuo aqui que diferente não necessariamente é melhor. Mas há uma busca pelo ainda não testado?
Marina Silva - Acho que a sociedade está procurando algo que dê resposta, que dê efetividade. O problema é que, muitas vezes, esse sentimento das pessoas, o cansaço com a incompetência, com a falta de transparência, com a corrupção, com a lógica do poder pelo poder é usado para tentar desviar do objetivo principal. As manifestações de 2013 foram muito claras. As pessoas querem saúde, educação, transporte de qualidade, emprego para poder viver e criar suas famílias, querem a possibilidade de um transporte que as leve para o trabalho e facilite o entretenimento.
As pessoas foram muito claras. Aí o que alguns partidos e lideranças políticas fizeram? Disseram que o que a sociedade quer é uma reforma política. Veja bem, retiraram do foco o mais importante e levaram para outro caminho. E agora que estão fazendo a reforma, não é a reforma política que a sociedade brasileira quer para ampliar participação, para sair do papel de espectador e assumir o protagonismo no espaço. É uma reforma para dar mais poderes aos partidos tradicionais, aos caciques, mais dinheiro às campanhas milionárias e aos marqueteiros a peso de ouro e mais espaço para permanecerem no poder independente da vontade do povo.
BBC Brasil - Falando em reforma política, essas mudanças pontuais feitas no Congresso afetam a Rede de que forma? A senhora sente que a Rede pode estar ameaçada?
Marina Silva - Há um cerco que está sendo feito pelos partidos tradicionais, o PT, PMDB, PSDB, DEM, para que não seja possível nem uma inovação na política brasileira. Por isso eles estão direcionando o fundo partidário para eles, o tempo da propaganda eleitoral para eles e a cláusula de barreira para que os novos partidos tenham dificuldades de se firmar no sistema político brasileiro. É claro que a Rede sofre as consequências dessa articulação para inibir a inovação.
A Rede é um partido que nasce comprometido em melhorar a qualidade da política, melhorar a qualidade das instituições públicas. Nós defendemos o voto independente, somos favoráveis para criar uma concorrência idônea com os partidos políticos. Hoje eles têm o monopólio da política e é por isso que não estão muito preocupados em qualidade, em inovação. Eles põem os mesmos quadros, fazem os mesmos discursos e a lógica é a do poder pelo poder.
BBC Brasil - Quando a gente olha as pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Lula lidera com folga. Como a senhora explica essa força? Esse discurso de vítima que ele e o PT assumiram tem impacto?
Marina Silva - Nós temos que compreender as pesquisas como registro de um momento e, obviamente, ainda temos um caminho muito longo pela frente. A sociedade brasileira está formando ainda a sua opinião sobre sua escolha. Não acho que seja um dado de realidade já estabelecido. E, é claro, espero que o debate em torno das ideias, das propostas, possa fazer com que os eleitores criem sua própria identificação com esse ou aquele projeto.
BBC Brasil - Mas o que explica o ex-presidente estar liderando mesmo tendo sido condenado por corrupção?
Marina Silva - Eu acho que existe uma parte do eleitor que trabalha muito com a ideia de segurança. Boa parte das pessoas está trocando liberdade por segurança. A campanha de 2014 foi muito violenta, com muito dinheiro, calúnia e difamação. Havia a história de que se não fosse eleita a presidente Dilma, as pessoas iriam perder o Bolsa Família, o Pronatec, o Minha Casa Minha Vida, perder todas as conquistas sociais. Isso criou uma insegurança nas pessoas.
Mas essa lógica em se fazer uma escolha em função do medo, não é a melhor forma de construir uma sociedade que tem sua própria autonomia. As conquistas feitas no governo do PT, do PSDB, de quem quer que seja, não são para ser fulanizadas nem pelos partidos nem pelos governantes. São para ser institucionalizadas. Se são direitos, as pessoas os têm assegurados e têm a liberdade de escolher aquele que acham que é o melhor para dirigir o país.
BBC Brasil - A senhora acha que (a liderança do Lula) vem do medo de perder benefício adquirido ou de se acreditar que ele é inocente, que é vítima, que está sendo perseguido.
Marina Silva - Acho que pode ser um misto de várias coisas. Lula foi presidente por duas vezes, uma liderança sindical histórica. O importante nesse momento é pensar que pessoas virtuosas devem criar instituições virtuosas para lhes corrigirem quando falharem. Os acertos não podem ser usados para não dar conta dos erros que foram praticados. Nesse momento a reflexão ainda está em curso no Brasil. Vamos ter, me parece, uma disputa com muitos candidatos.
BBC Brasil - Jair Bolsonaro. Ele é um candidato com posições conservadoras, às vezes extremas. O que explica ele estar empatado tecnicamente com a senhora e que tipo de segmento da sociedade ele representa? Tem alguma chance dele ir para o segundo turno?
Marina Silva - Como eu disse, ainda é muito cedo. Nesse momento há uma exacerbação, em várias regiões do mundo, do populismo, tanto de direita, como de esquerda. E eu acho que a sociedade haverá de ter a sabedoria de fazer a correta mediação para encontrar um novo caminho para seus problemas que não seja o populismo de direita, nem o populismo de esquerda.
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