Mulher-Maravilha é a super-heroína mais popular das histórias em quadrinhos de todos os tempos e uma das poucas que não parou de ser publicada desde seu surgimento em 1941. Apesar das animações, da série de TV dos anos 70 protagonizada por Lynda Carter e da popularidade imensa da personagem (traduzida em action figures, camisetas e uma série de produtos licenciados), ela ainda não havia recebido o protagonismo que devia no cinema, até agora.
Se pensássemos apenas na questão histórica da importância da personagem já teríamos motivos suficientes para reivindicar um filme que fizesse jus ao seu legado na cultura pop transnacional. Afinal, Batman e Superman, super-heróis da mesma editora – a DC Comics - já haviam ganho suas diferentes versões cinematográficas. Mas como tudo que tange às mulheres e, consequentemente às personagens femininas, as dificuldades e as críticas ganham contornos infinitamente maiores. Restava então saber se a personagem, que foi criada pelo psicólogo estadunidense William Moulton Marston, um ferrenho apoiador do feminismo, sobreviveria a alguns de seus maiores desafios na atualidade: as turbas de haters ávidos por polêmicas nas redes sociais e as críticas negativas dos filmes anteriores do universo DC: Batman Vs Superman e Esquadrão Suicida.
A boa notícia é que Mulher-Maravilha reina soberana e domina as sequências do filme, graças à performance eletrizante da atriz israelense Gal Gadot e sua interação com as outras personagens, tanto com as Amazonas na idílica Ilha de Themyscira, quanto no front das batalhas da 1ª Guerra Mundial. Para além de sua importância histórica, a atriz imprimiu a Diana Prince uma interpretação que resgata as origens da personagem – temos uma boa fusão de duas das origens contadas nos quadrinhos – em suas características mais importantes como a força, a obstinação e a luta por aquilo em que acredita. O impacto de ver uma personagem feminina liderando e tomando a frente da narrativa em um filme do gênero de super-heróis é precioso e emocionante para as fãs do gênero – Elektra e Mulher-Gato são péssimos e indefensáveis filmes e nem os contabilizo aqui.
A cada aparição da Mulher-Maravilha em cena, eu imaginava meninas ao redor do mundo vibrando e comemorando a cada golpe desferido contra os vilões – que são o ponto mais fraco do filme, pois ficam bem abaixo em termos de atuação – sobretudo a cada tirada afiada em suas observações ainda exploratórias sobre a humanidade. Não devemos esquecer que por se tratar de um filme de origem, a Diana Prince que vemos aqui ainda guarda uma carga de ingenuidade por ter recém deixado a ilha em que vivia e está começando suas aventuras no mundo dos humanos, diferentemente da guerreira experiente que vemos em Batman Vs Superman, filme no qual ela já havia roubado todas as cenas em que aparecera.
O impacto da personagem nesse filme é assim atualizado e amplificado tanto para as mulheres que cresceram com os quadrinhos como para uma nova geração que tomará contato com a super-heroína a partir de agora. Além de Diana, sua mãe Hyppolyta e a sua tia, a general Antíope, também assumem posições de destaque no longa-metragem que consegue mostrar até mesmo alguns conflitos e suas resoluções, mesmo que rápidas, mostrando que nem tudo é perfeito na utopia da ilha das Amazonas. Outro ponto de destaque é a química entre ela e o Capitão Steve Trevor (Chris Pine), o típico "mocinho"/herói de guerra dos filmes norte-americanos de época. Ao contrário de algumas críticas, como a do jornal inglês The Guardian, que comentaram que a personagem é muito "guiada" pelo principal personagem masculino em suas ações – e por isso perderia em "empoderamento" – vejo essa análise como muito rasa, ao desprezar os aspectos emocionais dos personagens e a relação amorosa de ambos, pautada pela diferença de crenças, culturas e modos de vida e pelo horror da guerra ao redor.
Mulher-Maravilha é esteticamente o filme que todas as garotas nerds da geração X – a minha – esperavam ver, com bons momentos de ação, toques de humor feminista, um figurino belíssimo, uma trilha sonora marcante e a direção de Patty Jenkins que imprimiu emoção e sensibilidade a um filme de aventura/ação, certamente impactando na forma como as super-heroínas serão retratadas no cinema daqui para frente. Em tempos tão complexos como os nossos, só o impacto cultural que essa representatividade terá para uma série de garotas é importantíssimo. Ele já pode ser percebido nos comentários e nas fotos que começam a circular pela internet, como em uma imagem na qual uma menina usando uma roupa de Mulher-Maravilha olha com admiração para a personagem no cartaz do filme da Liga da Justiça. Foi preciso que a sua filha pródiga, a super-heroína mais importante da editora, retornasse para que o fôlego das produções cinematográficas do universo da DC fosse retomado em uma só laçada. Longa vida à deusa Diana!
*Adriana Amaral é professora do pós-graduação em Comunicação da Unisinos, pós-doutora em Mídia e Cultura pela University of Surrey e pesquisadora de cultura pop pelo CNPq.
Fonte: Zero Hora
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