O Ministério da Justiça autorizou a Polícia Federal (PF) a apurar a morte de dez trabalhadores rurais sem terra, no último dia 24, em Pau D'Arco (PA). A autorização atende a um pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e é uma das primeiras medidas assinadas pelo novo ministro, Torquato Jardim, empossado na tarde de ontem (31).
Com data de segunda-feira (29) e endereçado ao então ministro da Justiça Osmar Serraglio, a solicitação de investigação federal foi fundamentada com base na Lei 12.986, de 2014, que estabelece a competência do conselho para pedir às autoridades que instaurem inquérito policial ou procedimento administrativo para apurar as responsabilidades por casos de violações aos direitos humanos. A lei também estabelece a obrigação da PF designar delegados, peritos e agentes federais para atender às requisições de auxílio às investigações do CNDH.
No pedido de atuação federal, assinado pelo presidente do conselho, Darci Frigo, a ocorrência é considerada uma violação a tratados internacionais do qual o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1992, e a Convenção Contra a Tortura ou Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1991, além de recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ao determinar a atuação da PF no caso, o ministro da Justiça reconheceu a “necessidade de apuração de responsabilidade dos envolvidos na violação aos direitos humanos” no episódio que vem sendo chamado de Chacina de Pau D´Arco.
Investigação estadual
As mortes dos nove homens e da mulher que integravam um grupo de sem-terra que ocupavam a Fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco, no sudeste do Pará, já vem sendo investigadas pelo Ministério Público Estadual, pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar paraense.
Hoje (1°), o corregedor regional da PM, tenente-coronel Edivaldo Santos, começou a ouvir os depoimentos dos policiais militares que participaram da operação deflagrada para cumprir 16 mandados judiciais expedidos pela Vara de Justiça Agrária de Redenção – município onde estão sendo colhidos os depoimentos.
De acordo com a assessoria da PM, até as 17h, 15 militares já tinham sido ouvidos pelo encarregado do Inquérito Policial Militar (IPM). As oitivas devem ser concluídas dentro do prazo de 40 dias, contados a partir da data de instauração do inquérito, que pode ser prorrogado por mais 20 dias.
No último dia 26, a Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social do Pará determinou o imediato afastamento de 21 policiais militares e oito policiais civis que participaram da operação que acabou com a morte dos 10 trabalhadores rurais. Segundo a assessoria da pasta, o afastamento dos agentes é temporário, em conformidade com uma resolução do Conselho Estadual de Segurança Pública.
Em seus primeiros depoimentos, os policiais que participaram da ação afirmaram que foram recebidos a tiros ao chegar à propriedade para cumprir os mandados judiciais que, além de buscas e apreensões, incluíam as prisões temporárias de suspeitos de participar do homicídio de um vigilante da fazenda, Marcos Batista Montenegro, morto a tiros no dia 30 de abril.
Os policiais afirmam ter apenas reagido aos disparos. Após a ação, a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa apresentaram 11 armas apreendidas na área ocupada pelos sem-terra – entre elas um fuzil 762 e uma pistola Glock modelo G25.
Já a versão de testemunhas e de parentes das dez vítimas é bastante diferente. Em depoimentos a promotores e a integrantes da comitiva federal que visitou a região da ocorrência, os policiais chegaram ao local atirando, atingindo pelas costas algumas pessoas que tentavam fugir da confusão. Para o presidente do CNDH, Darci Frigo, que integrou a comitiva, chama a atenção o fato de nenhum policial ter sido ferido durante a ação.
“As pessoas estavam acampadas no meio do mato, em um local de muito difícil acesso. Chovia torrencialmente, o que pode explicar que o grupo [de trabalhadores] não tenha percebido a aproximação da polícia. Mesmo assim, o grupo tinha uma vantagem muito grande em relação aos policiais, pois já estava dentro da mata. Então, a tese de que os policiais foram recebidos a bala cai por terra na medida em que não houve sequer um policial ferido”, disse Frigo em entrevista à Agência Brasil. Ainda segundo Frigo, ao menos um dos sem-terra que sobreviveu à “chacina” foi visivelmente alvejado pelas costas.
Entre os dez mortos, sete pertencem a uma mesma família - entre eles, a presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de Pau D'Arco, Jane Júlia de Oliveira, e seu marido, Antonio Pereira Milhomem.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, em 2016 foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, o maior número desde o início do monitoramento da entidade, em 2003. Em 2017, o total de mortes no campo já chega a 36 quando contabilizados os mortos em Pau D´Arco. Em abril, nove trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados por um grupo de homens encapuzados em uma chacina em Colniza (MT).
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